terça-feira, 26 de junho de 2012

SÍNDROME DE SPOAN



Doença degenerativa é descoberta no RN


  Síndrome de Spoan, como foi denominada por pesquisadores, atinge os moradores de Serrinha dos Pintos.

  Uma doença misteriosa atinge, há cerca de 200 anos, os moradores de Serrinha dos Pintos, no sertão do Rio Grande do Norte. Alguns bebês nascem com os "olhos tremidos" -não conseguem fixar o olhar em um ponto. Por volta dos sete anos, essas crianças começam a perder o movimento das pernas. Na adolescência, a paralisia chega aos braços.
Tudo começou, segundo dizem na região, com o velho Maximiniano, que chegara a Serrinha para casar com a filha de Pedro Queiroz: dona Antônia. Mulherengo, contraíra sífilis. Não bastasse isso, assim que se viu viúvo, casou com uma sobrinha de Antônia. Desde então, a tal sífilis se instalara no sangue da família, que cresceu e virou uma cidade onde todos são, em maior ou menor grau, parentes.
Recém-descoberta por pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), a doença ganhou um nome científico: Spoan -sigla em inglês que significa paralisia rígida, atrofia ótica e morte do tecido nervoso periférico.
A síndrome foi descrita na edição de maio da revista "Annals of Neurology", publicação da associação americana de neurologia.
Na região de Serrinha, foram identificados 26 casos da doença, sendo 22 na própria cidade. Ainda não há registros em nenhum outro lugar do mundo, embora cientistas da Holanda e da Bélgica tenham procurado os pesquisadores para relatar outros casos.
De acordo com Mayana Zatz, coordenadora do estudo, a síndrome é causada por um gene defeituoso, resultado de uma mutação. Por não ser um gene dominante, ele pode ficar ao lado de um gene saudável e passar despercebido por várias gerações. Entretanto, quando alguém recebe tanto do pai como da mãe o gene alterado, a síndrome aparece.
Como em Serrinha o casamento entre parentes é bastante comum, a chance de dois portadores da mutação se casarem e terem um filho com Spoan é muito grande.
Na cidade de cerca de 4.000 habitantes, estima-se que uma em cada nove pessoas possua o gene causador da síndrome. Com a pesquisa, já é possível identificar os portadores. "A idéia é voltar à cidade, ver quem quer fazer o teste e avisar os casais que podem ter filhos com a doença", afirma Zatz.
A síndrome ainda não tem cura. Encarregada de encontrar o local exato do gene, a bióloga Lúcia Inês Macedo Souza afirma que ainda é preciso descobrir de que modo essa alteração genética leva à morte do nervo motor, que, por sua vez, gera a paralisia. O estudo é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

                                                                    Origem
Acusado como o causador da doença, o fato é que o velho Maximiniano pouco tem a ver com a história. Por meio de uma árvore genealógica, que registra a incidência da doença em cada núcleo familiar da cidade, a bióloga Silvana Santos constatou que o problema começou no casamento de Pedro Queiroz e Maria Alexandrina, pais da mulher de Maximiniano e, provavelmente, descendentes de holandeses. O casal teve três filhos, que tinham o gene defeituoso. Quando seus netos e bisnetos começaram a casar entre si, a doença apareceu.
A influência da provável sífilis de Maximiniano? Nenhuma. "Entre os séculos 16 e 19, havia a idéia de que a sífilis estava ligada a males hereditários", conta Silvana.
Cidade tem 26% da população com deficiência
Serrinha dos Pintos está entre as 50 cidades brasileiras com maior proporção de deficientes físicos entre seus habitantes, de acordo com o estudo Retratos da Deficiência no Brasil -primeira publicação a reunir informações de vários setores relacionadas aos portadores de deficiência. A pesquisa foi elaborada pela Fundação Getúlio Vargas a partir de dados do Censo 2000, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O estudo divide os municípios em dois rankings: o de "pessoas com deficiência", categoria na qual é incluído quem possui alguma dificuldade de visão ou audição, por exemplo, e o de "pessoas perceptoras de incapacidade", restrito àqueles que se declaram totalmente incapazes de andar, enxergar ou ouvir, por exemplo.
Em ambos, Serrinha dos Pintos possui índices muito acima dos encontrados no resto do país. A cidade está em 13º lugar na lista de cidades com maior proporção de deficientes -29,23% da população possui alguma deficiência. Isso significa que, entre seus 4.295 moradores, havia 1.255 com algum tipo de deficiência em 2000.
O índice é quase o dobro da média nacional, de 14,5% -o que representava 24,6 milhões de pessoas no último censo.

                                                          Cenário estadual
No segundo ranking, que aborda os casos mais graves, Serrinha dos Pintos está na 19ª posição: 5,79% da população (cerca de 250 pessoas) se diz portadora de alguma deficiência física ou mental que a torna incapaz. O índice nacional é de 2,51%.
Ainda de acordo com o trabalho, o Rio Grande do Norte, onde Serrinha dos Pintos está localizada, é o segundo Estado com a maior proporção de deficientes físicos. Lá, esse índice é de 17,64%.
Na Paraíba, primeiro lugar no ranking estadual, 18,76% dos habitantes tem alguma deficiência. São Paulo aparece na última posição, com 11,35% da população.

                                                         Moradores se unem
A descoberta da síndrome de Spoan levou à mobilização dos moradores de Serrinha. Há cerca de 15 meses, eles criaram uma associação para defender os interesses dos deficientes físicos; hoje, a entidade conta com 150 sócios.
A primeira conquista foi, por meio de doações, a aquisição de seis cadeiras para banho. Um dos objetivos, agora, é conseguir cadeiras de rodas -pelo menos 35 pessoas precisam imediatamente do equipamento, segundo Elenara Maria de Queiroz Moura, 35, mãe de uma menina que tem a síndrome e integra a associação.
Na falta de cadeiras adequadas, muitas famílias improvisam, anexando rodinhas a cadeiras de varanda. Muitos, porém, passam parte do dia encostados em um canto da casa, conta a pesquisadora Silvana Santos. A posição incorreta acarreta problemas de postura e deformações físicas.
Outro problema sério enfrentado pelos moradores é a falta de assistência médica. A cidade conta apenas com uma unidade de saúde, que só funciona parcialmente.
Quando percebeu que a filha não estava se desenvolvendo normalmente, Elenara, que é casada com um primo, começou uma peregrinação pela região. "Ela tinha sete meses e ainda não sentava sozinha, levei a uma fisioterapeuta da cidade vizinha, ela me encaminhou para um neurologista em outra cidade, que mandou fazer uma tomografia, mas ninguém conhecia a doença", conta.
"Temos um município pequeno e condições muito precárias. Hospital só em Martins, uma cidade vizinha", conta a assistente social Danielli Queiroz, 23, da Secretaria Municipal de Assistência Social.

                                    Bióloga chegou à doença por meio de vizinha
Ao se mudar para o Parque Ipê, na zona oeste de São Paulo, a bióloga Silvana Santos entrava, sem saber, em um reduto potiguar. Em busca de melhores condições de vida, moradores de Serrinha dos Pintos migraram para a capital paulista e fizeram do local uma pequena continuação de sua terra natal.
Foi entre eles que Silvana conheceu Zilândia Queiroz -a amizade entre ambas deu origem a toda a pesquisa que levou à descoberta da síndrome.
Em uma cadeira de rodas, com "olhar tremido" e fala um pouco lenta, a jovem, com 28 anos, conta que em sua cidade era comum encontrar pessoas com esses sintomas. "Minha mãe fala que, quando eu tinha um ano, caía muito. Com sete, comecei a parar de andar", lembra. O primeiro diagnóstico apontou paralisia cerebral, hipótese depois descartada.
Levada à AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), caminhou com andador até os 12 anos. Mas, quando a mãe engravidou novamente, a fisioterapia foi interrompida. "Íamos para a AACD de ônibus, eu no colo dela. Com a gravidez, não dava mais."
Com o tempo, a escoliose se acentuou, levando Zilândia a pender o corpo para o lado esquerdo e a cabeça para baixo. Os braços começaram a perder as forças. As mãos tendem a fechar e os pés, a se apoiarem apenas sobre os dedos.
Em 2001, Silvana decidiu conhecer Serrinha dos Pintos com a família. Voltou com a sensação de que algo novo acontecia na região. (AL)

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